O Vulto no Canto da Parede

O VULTO NO CANTO DA PAREDE

Escrito por Alan Bispo de Araujo

Ele acordou sobressaltado. Olhou para o relógio: três da manhã. Por que? Nenhum barulho, nenhum cachorro latindo. Chovia forte. A cortina balançava suavemente com o vento que passava por uma fresta na janela. Pensou nela. Não na fresta mas nela. Sempre pensava nela quando acordava e isso estava se tornando um incômodo. Ela não pensava nele, com certeza. A cortina balançou mais uma vez e com o canto do olho esquerdo (ele estava deitado de lado) viu algo ser iluminado pela fraca luz que entrou por alguns segundos. Sentiu todos os pelos do corpo se arrepiarem quando seu cérebro deu o alarme: havia uma pessoa parada no canto do seu quarto, nas sombras.

Tentou se mover mas constatou que não conseguia, e entendeu que era por puro terror. Olhou para a porta: trancada com certeza, seria impossível não acordar com o barulho que a falta de óleo nas dobradiças fazia. Como alguém poderia ter entrado? E por que estaria parado ali no canto? Ouviu a coisa se mover e seus olhos se voltaram novamente para o canto escuro mas não conseguiu ver nada. Esperou que o vento novamente sacudisse a cortina. Minutos se passaram e novamente um pouco de luz entrou e seu coração quase parou: a coisa estava mais perto.

Sentiu que suava em bicas agora. Tentou falar mas nenhum som saiu. Suor escorreu pela testa e entrou nos seus olhos e instintivamente ele os fechou, mas imediatamente se arrependeu de tirar a coisa do campo de visão.

Onde estava a coragem para abrir os olhos? A ardência já diminuíra o suficiente... Outro som, algo molhado, estranho. O coração batia com tanta força que ele sentiu até alívio, afinal ia morrer de um ataque cardíaco antes mesmo descobrir o que era a coisa.

Um estalo mais próximo. Bem mais próximo. Sentiu o colchão descer com o peso de algo na altura dos seus pés. A coisa estava na cama.

O cheiro chegou forte: uma mistura de cebolas estragadas, terra molhada, ovo podre e carne putrefata. O peso se deslocou mais um pouco para o lado agora. E ele tinha certeza que a coisa ia deitar ao seu lado.

Tudo acabaria assim? Não conseguia parar de pensar que quando abrisse os olhos estaria cara a cara com algo e essa coisa gritaria bem alto e isso seria o fim.

O seu corpo inteiro agora tremia incontrolavelmente em espasmos doloridos. Sentiu novamente o peso no colchão se mover e reconheceu aquela sensação característica de quando alguém deita do seu lado numa cama. Era agora. O fim.

O ar estava tão carregado do fedor que mal conseguia respirar e quando o fazia sentia náuseas tão fortes que parecia que tudo dentro do seu abdômen ia pular para fora pela boca. Foi quando sentiu algo tocar seu ombro que abriu os olhos e inspirou forte para talvez gritar que realmente tudo que tinha no seu estômago saiu de uma vez pela boca e pelo nariz. Ficou completamente sem ar por alguns segundos numa agonia e foi quando percebeu que estava no chão. Caíra da cama e estava vomitando sem parar no tapete. Olhou entre as lágrimas para a cama e não havia nada lá. Também não chovia. E eram apenas dez da noite.

Nunca mais comeria feijoada enquanto assistia TV na cama. Nunca mais correria o risco de dormir com a barriga muito cheia novamente.

Bem que a sua mãe sempre avisou que isso “fazia mal”.

FIM

O Homem do Futuro

...então eu estava subindo aquelas escadas que durante a minha infância eu descia pulando três, quatro degraus de cada vez. Apesar de não poder ser real, tudo, inclusive os odores tão familiares (o feijão bem temperado cozinhando na casa da Dona Preta, a carne fritando na casa do Seu Francisco, pai da Simone) invadiram minhas narinas. Olhei para cima para ver o céu. Você consegue lembrar do céu quando está sonhando? Geralmente nos meus sonhos não há céu, e isso me faz perceber que estou sonhando. Mas dessa vez lá estava o céu, azul como nunca.
Olhei para a esquerda. Agora eu perceberia alguma coisa errada. Nada. A casa que o Marcelinho morava. A casa que nunca soube o nome dos moradores, pois eles não tinham crianças. A casa que o Jeferson (que fazem muitos anos vi em um programa na Rede Globo) morava. O corredor e as escadas para a casa da Dona Emília. E finalmente a casa em que eu morava, a última da vila de dez casas, em Vila Isabel.
E para a minha surpresa eu estava sentado onde sempre estava: em um banco de concreto que ficava encostado na parede da casa, logo abaixo da janela.
Mas era um eu com treze anos. Essa idade ficou marcada na minha memória pois foi quando namorei pela primeira vez. Renata era o nome dela. Hoje em dia provavelmente seria algo um tanto estranho de se ver, já que ela tinha 17 anos na época. Um minuto... Então eu era o novinho dela?
Sentei ao meu lado e olhei para o furgão azulado que brincava distraidamente. Era uma miniatura da "The Mystery Machine" o carro dirigido por Fred no desenho do Scooby-Doo. Lembrei que não muito tempo depois alguma outra criança pegaria "emprestado" e nunca mais eu veria aquele carrinho. Uma curiosidade: Scooby-Doo só fica atrás de Os Simpsons em número de temporadas e episódios.
— Oi Alan —eu disse.
— Olá? — foi mais uma pergunta que uma resposta. — Qual o seu nome?
— É Alan também.
— Com N e um L?
— Sim. Igual ao seu. Na verdade não é a única coisa que temos em comum.
— Como assim? — meu eu mais jovem pareceu ficar pensativo.
Eu estava reparando nesse momento que eu jovem não estava usando óculos. Isso era um erro do sonho, eu comecei a usá-los quando entrei na escola, com cinco anos de idade. Deixei esse detalhe de lado, já que na verdade eu não sei se uso óculos nos meus sonhos, nunca reparei.
— Lembra quando o Magro usou o Guardião da Eternidade e voltou no tempo? E que no final do episódio o Capitão Kirk teve que deixar a namorada morrer, porque se isso não acontecesse iria alterar o futuro? — eu disse.
— Sim... Você é do futuro?
— Sim. Mas enquanto o Dr. McCoy voltou para os anos 30, eu voltei apenas 30 anos. Sou você, Alan.
— Uau!
— Você já conheceu a Renata?
— Quem?
— Deixa pra lá. — respondi. — Vai conhecer. Aproveite o máximo que puder. Principalmente na janela.
— Janela? Como assim?
Lembrei das vezes que para ver se alguém vinha vindo, enquanto namorávamos na casa da Simone, a Renata se debruçava na janela, usando um short colado minúsculo.
— Você vai entender. Apenas aproveite o que vai acontecer. — completei.
Um pensamento passou como um tiro pelo meu cérebro. E se...
— Você ainda tem aquela bola de tênis?
— Sim. — meu jovem eu respondeu. — Está guardada...
— ...na estante, do lado da televisão. — falamos juntos. — Não jogue ela na parede, com a janela da sala aberta. Ela vai rolar pelas escadas e você vai ficar bastante chateado por perder o presente da nossa mãe.
Eu poderia evitar que muita coisa acontecesse, se desse as dicas certas... Mas eu deveria contar coisas importantes ou apenas pequenos detalhes?
Nessa hora o sonho ficou confuso. Eu falei sobre várias coisas que aconteceriam nos próximos anos. Coisas que estão enterradas no meu subconsciente e que eu praticamente não lembrava mais. Dei dicas sobre lugares para não estar, lugares para estar, pessoas a serem evitadas, pessoas a serem convidadas o mais rápido possível para entrar na minha vida. Acidentes a serem evitados, cuidados com a saúde a serem tomados. Foi quando cheguei na parte das mortes futuras.
Aparentemente recordar isso disparou a informação que aquilo tudo realmente não passava de um sonho.
E nessa hora eu despertei.